BAIRRO DO BONFIM
“O antes, o agora e o depois”
por Amanda Cavalcante, Ismael Moura e Sousa e Laura Barros
O bairro do Bonfim faz parte da freguesia do Bonfim foi criado a 11 de dezembro de 1841, este
bairro já foi considerado um dos maiores polos industriais da cidade do Porto, sendo até hoje considerado como um bairro comercial e que vive do comércio e das artes contemporâneas e modernas que marcam o seu quotidiano.
Durante o século XIX as fábricas e indústrias foram dando lugar a um maior número de edifícios
habitacio- nais, comerciais, de restauração, estruturas vocacionadas ao ensino e à saúde, pequenas
e grandes instituições, as pequenas empresas de turismo que foram aumentando de acordo com o
crescimento da cidade e da vida ativa dos habitantes. Em 2014 este bairro foi considerado “um dos mais
cool da europa” pela revista britânica “The Guardian”.
Numa primeira parte deste projeto o intuito foi de registar a essência do bairro, de modo a explorar
a sua vivencia, e os seus habitantes e como esta rotina interfere no seu espaço tanto de uma forma mais
conceptual, comparando com o período de tensão e isolamento ao qual atualmente somos submetidos.
Este trabalho é atualizado em uma sequência de fotografias contemporâ- neas em que as cercas
são paredes cobertas de grafites, infraestruturas urbanas, recintos em decomposição e os jardins são
manchas verdes em pequenos parques urbanos cercados por passagens de asfalto e calçada ou áreas
de areia. As fotografias mais recentes, em preto e branco, repre- sentam o isolamento que atualmente vive o bairro, a população e todos aqueles que o frequentam e dão vida ao mesmo. As cenas são ocupadas por ele mentos casuais e pontuadas por vestígios do tempo passando, abandono e decadência.
“O charme de Bonfim deve muito às suas moradias elegantes do início do século XX.”
The Guardian Magazine
O Bairro do Bonfim divide-se em duas partes, sul e norte, sendo a zona sul mais carenciada e com uma
situação urbanística e de habitação mais hermética. Numa primeira visita ao bairro foi possível perceber
essa desarmonia entre as duas zonas, um diferencial da forma como é habita- da, e até mesmo das
pessoas que o habitam no que diz respeito ao nível social, ruas mais estreitas de edifícios mais antigos
de entre dois a três pisos que remetem para uma arquitetura mais antiga do século XX, e com condições
mais precárias e humildes, ruas em que a vivência é mais simples e acolhedora e por um outro lado
edifícios de carater mais contemporâneo e urbanisticamente mais desenvolvido.
Hoje ao andar pelas ruas do bairro do Bonfim percebe-se o silêncio dos moradores, dos
comerciantes e dos jovens que fazem daquele bairro o lugar mais cool (segundo a revista britânica The
Guardian), sendo importante mencionar que apesar da atual e aparente crise que enfrenta, o bairro não
deixa de ser o mais cool, mas perde vida e cor. Existe um aspeto permanente no bairro, mesmo que o
hábito da população mude, a arquitetura permanece por um determinado tempo a mesma, até sofrer
uma intervenção da própria natureza, ou do ser humano dependendo da forma como este a interpreta.
“Para que uma interpretação tenha sentido, ela deve iluminar um aspeto permanente da arquitetura, isto é, deve demostrar sua eficácia na explicação de todas as obras, independentemente do fato de ser mais ou menos compreensiva do que a totalidade dos aspetos desta.”
Bruno Zevi , em Saber ver Arquitetura, pág.138
Tendo em conta as palavras de Bruno Zevi, decidimos olhar para estes cenários de um modo mais
aprofundado, o que consequentemente nos fez questionar e perceber o papel da arquitetura nestes
momentos de tensão e como as pessoas servem-se dela através do uso nosso imaginário, assim como
da revisão analítica das necessidades e na observação da resposta dos espaços e do comportamento
dos seus usuários.
As relações entre as pessoas, seus hábitos, suas atividades diárias de trabalho e de lazer, se
somam a uma estrutura física composta pela geografia, pela estrutura viária, pela arquitetura, pelos
monumentos e obras de artes da cidade, e todo esse conjunto de certa forma representa a história e a
cultura de determinado lugar. Assim, a partir de um certo imediatismo, quer na restrição do contacto físico, no uso e na apropriação dos espaços, as relações se tornam meramente visuais e remotas onde o exterior se tornou vazio, mas o interior continua a abrigar vida.
O ser humano intervém de formas diferentes no mundo em que vivemos, percetíveis através
de pequenos sinais, pequenas marcas e pequenos detalhes do quotidiano, ou através de grandes
construções ou ações. Estar ou não estar, abrir ou fechar, ações que remetem para uma interpretação do
movimento, do que acontece num determinado edifício ou em qualquer outro espaço arquitetónico, como exemplo o caso do bairro do Bonfim. Essas ações que poem em causa o funcionamento do próprio objeto arquitetónico e que de certa forma o caracterizam.
Os elementos que constituem a arquitetura deste bairro, contrastam nitidamente com as condições
de habitação e isolamento que hoje nos são impostas, produzindo nos seus extremos apenas elementos
residuais da vivência e ocupação do espaço exterior como apresentado no jornal em tons de menor
saturação. Tais decisões antagónicas se baseiam numa leitura cuidada do contexto circundante que
exigem atitudes diversas. Ao expor em paralelo, o antes e o depois deste Bairro, leva-nos a crer na
existência dum momento de fusão entre ambos, o agora. Este momento de fusão se torna percetível
apenas ao olhar atento e que nos faz questionar: e se aquele estore estivesse aberto invés de fechado?
Se as pessoas se apropriassem dos espaços como por exemplo varandas, se a vida acontecesse
dentro ou a porta dos edifícios e não necessariamente através do tráfego. O manifesto da circunstância
excecional ajustada aos olhos de que vê tais decisões, torna-se um tema expressivo da composição
ordenada, levando a uma perceção da implantação, disposição e apropriação dos edificados que refletem
momentos não concordantes entre lógica exterior e necessidade interior.
“A coexistência das duas realidades deverá ser francamente expressa sob o acordo subtil entre ordem e circunstância, dentro e fora, funções privadas e públicas, produzindo ritmos e tensões ao olhar por fora.”
VENTURI, Robert. Complexity and Contradiction in Architecture, 1966, pág.48
A relação interior/exterior e a interação entre o homem e o espaço é influenciada pela forma como o
homem atua, se idealiza e se expressa como indivíduo e como ser eminentemente social.
Conforme o sujeito, esses planos acabam por sofrer alterações de acordo com as necessidades, os
interesses e os objetivos subjacentes ao homem que visam garantir o conforto do homem na sua vivência e experiência espacial. Para isso, é fundamental considerar-se que o espaço e o homem são indissociáveis estando em constante diálogo, tanto no interior como no exterior.
“ O único privilégio da arquitetura, entre todas as artes, quer crie habitações, igrejas ou interiores, não é hospedar uma cavidade cômoda e rodeá-la de defesas, mas construir um mundo interior que mede o espaço e a luz segundo as leis de uma geometria, de uma mecânica e de uma ótica necessariamente implícitas na ordem natural, mas de que a natureza não se serve.”
ZEVI, Bruno, Saber ver Arquitetura, pág.138