Unidades curriculares ligadas ao ensino da fotografia na FAUP: Fotografia enquanto dispositivo mental que permite (re)descobrir realidades arquitectónicas e sociais
O trabalho desenvolvido até ao momento nas unidades curriculares ligadas ao ensino da fotografia na FAUP teve o propósito de aproximar o universo da docência ao da investigação; de estender estes universos a diversos centros de investigação e ensino nacionais e internacionais e de abrir o mundo académico à cidade.
Foi assim consolidado um trabalho de investigação com maior profundidade e sentido critico sobre AAI e produzido um corpo de conhecimento significativo sobre a experiência didática na área da fotografia na FAUP que tem como principais objetivos, o de tornar os alunos capazes de integrar os aspetos técnicos e artísticos e de lhes permitir utilizar a fotografia como um dispositivo mental capaz de permitir desenvolver uma nova perceção sobre o espaço de cidade.
O acumular destas experiências pedagógicas permitiu perceber, através da análise dos trabalhos dos alunos, em que medida o domínio técnico lhes possibilitou manipular determinados parâmetros fotográficos e de como isso ajudou significativamente a dar uma resposta mais completa e criativa relativamente ao(s) exercício(s) que lhes era(m) pedido(s). Neste contexto, é de salientar alguns aspetos essenciais para o ensino de fotografia enquanto dispositivo mental e instrumento de perceção¹ que permite (re)descobrir a realidade arquitectónica e social na qual nos movemos.
Na verdade, a imagem fotográfica é frequentemente empregue para ilustrar o carácter de um determinado espaço e das pessoas que lá habitam com o propósito de provar determinado ponto de vista que, muitas vezes, já está previamente formado. Quando isso acontece, a fotografia trabalha muito pouco como um instrumento de investigação que permita surpreender o fotógrafo e os recetores através de um novo olhar capaz de sair da direção de um pensamento pré-estabelecido.
A posição didática aqui defendida relativamente à fotografia como arte e técnica é a de que o objetivo mais importante é conseguir que os alunos adquiram o conhecimento e a experiência que lhes permita manipular de forma eficaz a técnica e gramática visual da fotografia de forma a poderem construir, de forma livre, um conjunto de narrativas visuais capazes de diversos níveis de realismo e subjetividade e que simultaneamente sejam portadoras de um olhar crítico e inovador sobre o espaço público, a arquitetura e as suas vivências. Isto significa, entre outras coisas, que acreditamos numa prática pedagógica que não coloca apenas o seu ênfase nas questões práticas e técnicas da fotografia, mas que procura fornecer, paralelamente a estas, um conjunto de conteúdos interdisciplinares e de instrumentos mentais que permitam aos alunos, por um lado, desenvolverem uma capacidade informada e independente de pensamento, no sentido em que fala Victor Burgin² e, por outro lado, expressarem esse mesmo pensamento através de um conjunto de narrativas visuais fotográficas, pensando a fotografia enquanto um instrumento de pesquisa e exploração do real, uma forma de expressão e registo capaz de tornar visível o que dantes era invisível ou estava mais esquecido, ou mesmo oferecer uma nova perspetiva sobre o real através de uma tomada de vista subjectiva ou ficcional como advogam diversos autores da contemporaneidade como, por exemplo, David Campany³, Pedro Gadanho⁴, Joan Fontcubert⁵ e outros mais. A este propósito, podemos também citar clássicos modernos como Susan Sontag⁶ quando escreve que “ (...) In deciding how a picture should look, in preferring one exposure to another, photographers are always imposing standards on their subjects. Although there is a sense in which the camera does indeed capture reality, not just interpret it, photographs are as much an interpretation of the world as paintings and drawings are.” ou mesmo Walter Benjamin⁷ quando escreve que “(...) the power of the photograph combines a simultaneous claim on the truth and the need for a story to give the photograph meaning”.
Neste contexto, e pensando no universo da arquitectura, podemos afirmar que existe hoje um maior reconhecimento de que as possibilidades da fotografia não se esgotam no documento ou na ilustração e de que a possibilidade de uma abordagem com carácter simultaneamente documental e artístico, lhe confere um potencial muito interessante para transmitir a poética dos espaços, assim como as ideias que os arquitectos projetam nas suas obras.
Na verdade, é muito importante para os objetivos disciplinares das nossas unidades curriculares pensar e utilizar a fotografia como um instrumento de investigação livre com o objetivo de descobrir novas perspetivas sobre o espaço público e a sua arquitetura.
É importante referir que, para os alunos desenvolverem, de forma plena, uma capacidade informada e independente de pensamento e serem capazes de expressar esse mesmo pensamento através de um conjunto de narrativas visuais fotográficas, isso implica, entre outras coisas, uma abertura à crítica, quer positiva, quer negativa, da realidade política, económica, social e artística do espaço de cidade e da sua arquitectura. Assim sendo, podemos encontrar trabalhos muito díspares relativamente ao seu nível de realismo ou abstracção, à forma como interpretam a realidade e às questões que elegem comunicar.
Acreditamos que esta liberdade é importante e que é também o resultado de os alunos terem acesso a diferentes escolas de pensamento e a autores que apresentam formas divergentes de compreender o espaço e a sua representação social, política e económica, algo que podemos ver referido em diversos textos como, por exemplo, Metáforas do Sentir Fotográfico, de Maria do Carmo Serén⁸. Desde as análises desconstrutivistas, muito ligadas a trabalhos de filósofos como Michell Foucault, passando por outras visões da nossa realidade política e social, como as de Alain Touraine e Mark Augé, que abordam a dinâmica e relatividade dos valores e a desterritorialização do espaço e do tempo como consequência de um mundo cada vez mais digital e em rede; até às perspetivas de autores críticos do modelo pos-modernista de representação do real que tem como base o movimento pós moderno e o pensamento de muitos dos seus teóricos como Lyotard, Derrida ou Baudrilard como Steven Edwards em Snapshooters of History: Passages on the postmodern argument, ou próximos do pensamento de filósofos como Habermass, que defende uma perspectiva de espaço público apto a integrar um diálogo racional e democrático capaz de construir um entendimento socialmente representativo entre os diversos atores da sociedade civil.
Resumindo, acreditamos que não é necessário industriar os alunos para adotarem uma determinada perspetiva ou ideologia sobre o espaço de cidade e suas vivências, mas sim permitir-lhes construir a sua própria consciência social, sempre ligada ao espaço, através do conhecimento da riqueza multifacetada de perspetivas que existem sobre estes assuntos. É possível, assim, exigir aos alunos um trabalho final constituído por um conjunto de narrativas visuais críticas, feito a partir do estudo de diversos trabalhos de autor, tendo como base um pensamento individual e utilizando de forma eficaz a técnica e a gramática visual da fotografia.
1 Shore, S. (2007). The Nature of Photographs. New York, Phaidon Press Inc.
2 Burgin, V., Ed. Thinking Photography. Photographic Practice and Art Theory. London, Palgrave, Macmillan Press Ltd, 1982.
3 Campany, David “Architecture as Photography: document, publicity, commentary, art’”, Architecture as Photography - Constructing Worlds: Photography and Architecture in the Modern Age, Barbican Gallery, Prestel, 2014
4 Gadanho, Pedro. “Architecture Photography: New Territories in the MoMA Collection”, Scopio International Photography Magazine 2 1/3 Dez. 2014: 42-55.
5 Fontcuberta, Joan. “Pedro Meyer: Truths, Fictions, And Reasonable Doubts.” New York: Aperture, 1995: 7-13.
6 Sontag, Susan, 1933-2004. On Photography. New York :Farrar, Straus and Giroux, 1977. p. 4.
7 Benjamin, W. (1983). The author as producer. In M. Jenning (Ed.), Walter Benjamin: Special writings Vol. 2 1927-1934 (pp. 768-782). Cambridge, MA: Harvard University Press.
Pedro Leão Neto