DEADPAN
A fotografia na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL) embora sempre tenha tido um papel transversal às diferentes áreas de criação visual, assumindo-se como possibilidade privilegiada de exploração imagética no ensino e na aprendizagem das diferentes áreas de conhecimento, nunca se assumiu como área autónoma ou, sequer, suficientemente individualizada. Nascendo nos planos de estudos aprovados em 1975 como disciplina tecnológica optativa, impôs-se, por vontade das diferentes gerações de estudantes, como uma das mais importantes – senão a mais importante – especialidade laboratorial da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa e, depois, da FBAUL.
Desde a sua criação, esta disciplina teve um percurso ondulante na produção de uma visão crítica sobre este média, evidentemente relacionado com as transformações do seu papel no curriculo da Instituição bem como com os diversos factores externos – dos quais se salientam a oferta de instituições de ensino especializadas na área, ou a inscrição progressiva da fotografia na área das artes plásticas. Em 2004 foi criado o departamento de Arte Multimédia tendo como base o então 16º Grupo de Teoria da Imagem no qual se integravam as especialidades de Fotografia e de Audiovisuais. Daí até ao ano transacto a fotografia teve um percurso mais sustentado e uma tendência de crescimento e de afirmação, reflectida tanto ao nível da sua escolha nos três ciclos de estudo como da formação de artistas cujo mérito foi reconhecido através de prémios nacionais de referência. Este deveria ser, por isso, um momento de solidificação da fotografia tanto no panorama da Instituição como a nível nacional, dada a importância desta ao nível do ensino das Belas-Artes em Portugal. Porém, tal não se verifica.
A recente reformulação do Mestrado em Arte Multimédia, resultado da combinação entre as recomendações feitas pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) e as decisões tomadas pelo departamento de Arte Multimédia, veio extinguir a especialização em Fotografia do referido curso, deixando-a de fora do 2.º ciclo de estudos apesar de, ao longo dos anos, ter sido responsável por metade dos alunos deste mestrado. Num momento em que a expressão plástica se assume cada vez mais como transdisciplinar e híbrida, as interpretações estritas de modelos burocráticos de ensino e as interpretações restritas do conceito de multimédia, alheadas do contexto histórico e da estrutura orgânica da FBAUL, resultam na presente situação. Este facto força também uma leitura mais grave: o ensino superior artístico parece afastar-se, de forma estéril e incoerente, da prática artística preso a uma ortodoxia científica e/ou legislativa.
Também na FBAUL, o 3.º ciclo (ou doutoramento) foi ainda restringido nas suas diversas especialidades. Tanto a fotografia, como outras especialidades do Departamento de Arte Multimédia, desapareceram. Tal significa que quem queira desenvolver uma investigação de doutoramento em fotografia será agora creditado com um doutoramento em Belas- Artes com especialização em Arte Multimédia. Infelizmente, este especialista será tomado pela própria Agência como um não-especialista em fotografia. Por fim, mas não finalmente, a formação ao nível do 1.º ciclo sofre, a partir do próximo ano, a mesma perca de especializações: na licenciatura de Arte Multimédia apenas pontuam duas disciplinas de fotografia e a oferta à Faculdade reduz-se a um suspeito minor constituído pelas mesmas duas disciplinas e por mais algumas de cariz teórico não específico da fotografia.
Este deambular leva-nos à leitura que aqui interessa: neste momento assistimos ao regredir do ensino e do papel atribuído à fotografia – desde logo, enquanto possibilidade plástica autónoma ou em interação com outras práticas artísticas. Isto apesar de, na última década, ter ganho uma autonomia anteriormente inexistente, de ter sido reconhecida como área de produção teórica-prática capaz de integrar o 2.º ciclo e da instituição ter chamado a si os professores convidados José Luís Neto, Margarida Medeiros e Sérgio Mah, elevando, deste modo, o nível crítico deste campo na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa.
Por todas estas razões, a Pós-Graduação em Discursos da Fotografia Contemporânea assume uma importância reforçada no contexto do ensino pós-graduado da fotografia nesta Faculdade. Este curso, da iniciativa de Ana Caria Pereira e de Cláudio Melo, tem mostrado, ao longo das três edições já realizadas, a sua absoluta pertinência, quer por via da procura crescente que tem registado quer por via dos excelentes resultados que tem apresentado. Contribuem para esse facto um corpo docente constituído por nomes incontornáveis do panorama nacional da fotografia autoral - António Júlio Duarte, Daniel Blaufuks, José Luís Neto e Paulo Catrica – bem como uma estrutura assente em tutorias apoiadas por disciplinas laboratoriais e de enquadramento teórico. A construção e aprofundamento de discursos fotográficos individualizados tem produzido trabalhos bastante interessantes e, mais importante, potenciais artistas fotógrafos.
É neste contexto que surge a selecção de alunos aqui apresentados: a Elisa Azevedo para além de se destacar com o seu trabalho meticuloso e obsessivo é um dos últimos alunos a sair com percurso em Fotografia do 1.º ciclo de Arte Multimédia e a integrar já o próximo ano da Pós-Graduação; a Eugénia Burnay e o Rafael Raposo Pires finalizaram recentemente a Pós-Graduação em Discursos da Fotografia Contemporânea. Eugénia Burnay é também ex-aluna da Faculdade com percurso em Fotografia. O trabalho aqui apresentado intitulado Prova Não Concreta foca-se na autorepresentação como hipótese de exploração do índice identitário através de estratégias pendulares entre o macro e o micro retrato ou a sequência e a imagem única sublinhadas pela utilização de diferentes técnicas de captação e de reprodução. O trabalho Urbe do Rafael Pires incide no espaço de uma cidade à escala do detalhe explorando a reconstrução, a recomposição e o percurso como possibilidade do discurso fotográfico.
Rogério Taveira