SARA ALVES MOREIRA: CONTRA-ESPAÇOS

 
 

SCOPIO ABOVEGROUND: TERRITORY

Não existe estação de comboio em Vila Viçosa. Também não existe em Estremoz. No entanto, todo o Alto Alentejo está desenhado por antigas linhas de caminhos-de-ferro. Noutro tempo o seu papel era da maior importância… hoje não. Encontram-se abandonadas, assim como muitas das pedreiras outrora activas e hoje manchadas pela ferrugem das gruas esquecidas. Restam as escombreiras, visíveis ao longe como se de montanhas se tratassem. E logo ali, as vilas e cidades, pequenas ilhas vigilantes em torno das crateras. São vazios urbanos estas crateras, resquícios de actividade industrial passada e esquecida nas ruínas de unidades produtivas desactivadas, manchas de “não-cidade”, espaços ausentes, alheios e sobreviventes a quaisquer sistemas estruturantes do território.

Solà-Morales denomina-os de terrain vague. “Lugares aparentemente olvidados donde parece predominar la memoria del passado sobre el presente. (…) Lugares obsoletos en los que sólo ciertos valores residuales parecen mantenerse a pesar de su completa desafección de la actividad de la ciudad.” (solà-morales: territorios, 2002)
No século XIX, cidades como Paris, Londres ou Nova Iorque consideravam a presença de grandes áreas de vegetação nos seus desenhos urbanos. Pensados como autênticas recriações da memória dos espaços naturais, demonstram que cidades da primeira revolução industrial tinham já pensada a necessidade de contra espaços, percebidos como redutos do construído.
Da mesma maneira que foram criados “antídotos” para a cidade industrial, a nossa cultura pós-industrial pede espaços de liberdade, de indefinição e improdutividade. Contudo, desta vez não é a relação mítica com a natureza o objectivo, mas a experiência dos lugares de memória, do fascínio romântico pelo passado ausente, como arma crítica para o presente.
Assim se encontra o Alto Alentejo. A extensíssima área territorial transformada e deformada pelas pedreiras não parece ser motivo de transtorno para os habitantes das vilas e cidades vizinhas. Ninguém ouviu falar de um possível plano de recuperação paisagística e, na verdade, ninguém parece pedi-lo. Sente-se o orgulho nas palavras daquela gente, assim como se sente a saudade de outros tempos em que tudo era diferente e contam-se histórias sobre o mármore. Tudo faz parte de percursos de vida, tudo são memórias, tudo é identidade. E a coexistência faz-se tranquilamente.

Em grande parte inspirado pelo trabalho de Edward Burtynsky na sua série Quarries e pela sua pesquisa em torno do conceito de Arquitectura Invertida, o registo aqui apresentado foi elaborado em 2009 como suporte gráfico para a Prova Final do curso de Arquitectura.
Embora tendo recorrido a alguma manipulação digital, o trabalho foi realizado com equipamento analógico e filme monocromático P&B, de 400 ASA.


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sara.o.moreira@gmail.com