before the voyeurs arrived
BY juliana maar
«eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmãs da minha, almas cativas!»
Antero de Quental, Redenção
As duas primeiras imagens de “before the voyeurs arrived” constituem um poderoso díptico que nos desperta a curiosidade pela sua temporalidade estranha. O observador é levado a interrogar-se sobre o significado do corpo nu da mulher que surge entre a vegetação de uma duna em duas posições diferentes e de forma parcial. Poder-se-á dizer mais adiante, no desenrolar da narrativa, que no mais profundo do seu inconsciente, a autora, parece guardar a recordação de uma existência que reflete a súmula da paisagem. Através do ritual praticado, em que o corpo surge como veículo por excelência de tal exorcização, abre-se a possibilidade de um desvelamento relativo a uma nova estrutura do real na imagem fotográfica. Embora haja uma tentativa de prolongamento ou de fusão do corpo na paisagem por parte da autora, a noção de sujeito evocada através da representação está profundamente ancorada no elemento material e corpóreo, na sua natureza perene e volátil ao invés de uma conceção mais transcendental do corpo. Esta nova construção hermenêutica contraria as especulações tecidas previamente sobre a possível aparição ou revelação da essência da paisagem (segundo uma perspetiva animista) por via do corpo. Isto deve-se ao facto de a paisagem/natureza possuir um caráter imortal e por consequência também transcendental. Não obstante, há que realçar a fuga existente através do ato performativo aos comportamentos arquétipos do quotidiano e que interiormente o referente procura uma resolução em forma de gesto para mimetizar o movimento instável da paisagem, uma abstração que funciona como catarse para a artista e que nunca se revela uma tentativa de cópia verossímil do mundo.
Autor do texto: Artur Leão
Bio
Juliana Maar nasce em 1981 e começa a trabalhar em fotografia em 2013. Em 2014 expõe como Lydia Maar na Pickpocket Gallery em Lisboa. Abandona o pseudónimo Lydia Maar. Em 2016 participa na colectiva “emotions photographiques” na galeria in)(between em Paris. Também em 2016 colabora com a editora “Do Lado Esquerdo” no livro “Há Dias II”. Em 2018 lança a fanzine “underword”. Colabora regularmente para fanzines ou pequenas edições. Usa o corpo e o autorretrato como veículo principal embora não exclusivo. Frequentou o Master em Fotografia Artística no IPCI 2019, a primeira incursão num método até agora autodidacta. Começa a fotografar quase em exclusivo em analógico com uma câmara de médio formato. Em 2019 fotografa os retratos do livro “Histórias do Fogo, Relatos de Heróis com Rosto” de Rita Fernandes Martins. Em 2023 integra a exposição “Membrana” com o colectivo barda na ACERT. Neorural na Serra do Açor há sete anos.
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